terça-feira, 28 de setembro de 2010

CARTA DA ABADFAL SOBRE OS 100 ANOS DO DIAGNÓSTICO DA DOENÇA FALCIFORME


Carta da ABADFAL sobre os 100 anos do diagnóstico da doença falciforme, cem anos de sofrimento. Nós Sergipanos dizemos o mesmo!

Neste dia 30 de junho de 2010, estaremos dando inicio a uma campanha de comunicação sobre os 100 anos do diagnóstico da doença falciforme no mundo. As pessoas passarão a falar, a conhecer e aprender sobre a anemia falciforme. Certamente algumas perguntas surgirão: Como se faz para cuidar? O que as pessoas fazem para não ter crises? Onde elas se cuidam? Onde elas se tratam?

Neste momento teremos algumas respostas, algumas somente.

Porque temos com certeza pouco a comemorar diante da mortes de Ana Lucia na quarta-feira passada dia 23 de junho no Hosp. Roberto Santos. Grávida e com anemia falciforme ela foi vítima de um processo de morosidade com que o Estado baiano pensa a anemia falciforme. Pensa as pessoas com anemia falciforme. Os 100 anos de racismo institucional em relação à anemia falciforme não podem ser resolvidos em 100 passos lentos e sincronicamente organizados, como se a vida pudesse esperar. Necessitamos agir em 100 frentes de trabalho ao mesmo tempo: saúde da mulher com doença falciforme, da mulher gestante com doença falciforme, da criança com doença falciforme, do adulto com doença falciforme, da úlcera de perna, da transfusão de sangue, dos medicamentos, da capacitação dos profissionais de saúde, dos manuais. A ANEMIA FALCIFORME TEM PRESSA! Pressa para que não morramos mais, pressa para que não soframos mais.

Não podemos considerar normal uma pessoa morrer de síndrome torácica aguda, porque os profissionais não sabem fazer o manuseio da dor, que uma gestante como Ana Lucia entre na maternidade sabendo que suas chances de sobrevivência são baixas. Devemos lembrar que a morte materna é considerada como morte evitável e que não devemos ter tolerância para esse tipo de perda. Essa é uma situação inaceitável para todas as mulheres inclusive para as mulheres com doença falciforme. Seu parto pode ser de alto risco, mas viver com anemia falciforme na Bahia não pode ser uma ação de risco. Viver não pode ser um risco para ninguém com ou sem anemia falciforme.

Neste dia 30 de Junho, quando falamos da Campanha dos 100 anos, temos que efetivamente assumir que estamos numa crise da atenção à pessoa com doença falciforme na Bahia. A crise não é da vontade das pessoas, mas temos que ir além das pessoas. A nossa crise está na falta de institucionalidade, na responsabilidade efetiva em todos os atores de trabalharem juntos, com o foco na pessoa com doença falciforme e não somente na sua instituição. Age-se no intuito “do que se pode fazer” e não na dimensão numérica e geográfica da anemia falciforme na Bahia! Doença genética de maior prevalência na Bahia, quantos somos? 2 mil? 3 mil? 10 mil? Ninguém sabe. Mas todos sabem que são muitas pessoas e que estão em TODAS as cidades. E diante disso deveríamos agir urgentemente para que outras “Anas Lucias” não vejam a propaganda dos 100 anos somente como uma bela imagem e fotos que mostrará a doença e que não me dirá onde serei atendido ou atendida, como sofrerei menos, como até mesmo morrerei em condições dignas de atendimento e atenção.

Devemos aprender com Paulo Freire que sempre dizia que as verdadeiras ações éticas e genuinamente humanas nascem de dois sentimentos contraditórios e só deles: do amor e da raiva. Este último que se traduz também em indignação política. Já passamos da hora de considerarmos a doença falciforme como um problema de saúde publica e passarmos a agir de forma a superar esse problema e organizar a rede assistencial cuidando concretamente da saúde da pessoa com doença falciforme para que elas possam ter realmente qualidade de vida.

Não. Não temos o que comemorar. Porque quando comemoramos um avanço parece que nos é feito um favor e favor é algo que nestes 100 anos não serviu para as pessoas com anemia falciforme, queremos respeito e responsabilidade governamental e institucional. Não temos como voltar atrás e modificar estas histórias de morte que estamos vivenciando, mas devemos e podemos nos comprometer com uma história diferente a partir de agora. Uma história pautada na atenção integral às pessoas com doença falciforme.

Não queremos 100 anos de solidão. Nem sermos uma marca numa camisa. Queremos respeito e ação!

Coordenação ABADFAL – Associação Baiana das Pessoas com Doenças Falciformes

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